A aprendizagem da leitura é, sem dúvida, um dos direitos mais básicos da criança. Imprescindível para o sucesso acadêmico e ocupacional dos indivíduos na sociedade letrada atual, ela também cria oportunidades únicas para seu desenvolvimento cognitivo, social e afetivo.

Ao que tudo indica, no entanto, grande parte da população brasileira não tem acesso real a esse direito. Por exemplo, de acordo com os resultados da Avaliação Nacional da Alfabetização de 2016 (Inep, 2017), ao final do 3º ano do ensino fundamental, apenas 13% das crianças matriculadas em escolas públicas de todo o território nacional alcançaram níveis desejáveis de habilidade de leitura. Mais da metade das crianças de oito e nove anos avaliadas, precisamente 54,7%, não foram sequer capazes de localizar informações explícitas em um texto escrito.

Infelizmente, a situação não é muito melhor para as crianças e adolescentes que concluem o ensino básico. De acordo com análises realizadas pela comissão de avaliação da Base Nacional do Currículo Comum, apenas 28% dos alunos do 3º ano do ensino médio submetidos à Avaliação Nacional da Educação Básica em 2015 alcançaram níveis satisfatórios de desempenho em língua portuguesa.

Esses resultados desoladores são frequentemente atribuídos à adoção de práticas inadequadas de alfabetização. Influenciadas pelas ideias de Emilia Ferreiro sobre o desenvolvimento da concepção da escrita pela criança ao longo dos anos pré-escolares, muitas das nossas escolas desfizeram-se das antigas cartilhas de alfabetização e, junto com elas, do ensino sistemático e explícito das relações entre as letras e os sons e do uso desse conhecimento para ler e escrever palavras.

Tendo em vista a evidência de que a decodificação, ou seja, a habilidade de ler através da tradução das letras em seus sons correspondentes, é um fator sine qua non para o desenvolvimento da leitura hábil, não é surpreendente que mais da metade dos alunos do 3º ano do ensino fundamental de escolas públicas, muitos dos quais mal conhecem as letras do alfabeto ao entrarem na escola, tenham dificuldade em aprender a ler.

Não obstante, o problema é bem mais complicado do que essa análise sugere e sua solução requer muito mais do que a adoção de métodos adequados de alfabetização.

Com frequência, encaramos a leitura como uma habilidade que a criança começa a adquirir no 1º ano do ensino fundamental, quando aprende a decodificar suas primeiras palavras escritas por conta própria. Embora essa habilidade represente um marco decisivo no desenvolvimento da leitura, não podemos esquecer que a leitura fundamenta-se na linguagem oral.

Nesse sentido, não é exagero dizer que sua aprendizagem tem início ainda nos primeiros meses de vida, quando a criança começa a aprender sobre os sons que compõem a sua língua natal e, logo em seguida, sobre como esses sons podem ser combinados para formar não apenas palavras, mas sentenças capazes de expressar os mais variados significados.

Embora muitas dessas habilidades afetem a aquisição inicial da leitura e da escrita apenas indiretamente, não há como negar seu impacto em etapas mais avançadas do desenvolvimento da leitura, quando a criança começa a ler textos mais complexos de forma
autônoma.

Ao que tudo indica, esse impacto é evidente desde o início do desenvolvimento da criança. Por exemplo, estudos recentes mostram que o tamanho do vocabulário de uma criança aos dois anos de idade prediz sua habilidade de compreensão da leitura sete ou oito anos depois!

Como o livro de Maria José dos Santos e Sylvia D. Barrera expõe de forma muito clara, as implicações dessa evidência para o ensino da leitura e da escrita são amplas.

Ao longo dos seus capítulos, aprendemos sobre o desenvolvimento dos pré-requisitos necessários para a alfabetização; a saber, a consciência dos segmentos sonoros nas palavras e o conhecimento do nome e dos sons das letras. Aprendemos também sobre outras competências que, ao lado das habilidades de linguagem oral, são essenciais para o pleno desenvolvimento da leitura.

De modo importante, o livro é rico de sugestões de atividades lúdicas e didáticas voltadas para o desenvolvimento dessas competências. Entre todas as atividades sugeridas, uma me parece particularmente relevante. Trata-se da leitura de livros para crianças, sobretudo da leitura interativa de histórias, conhecida na literatura como leitura dialógica. Além de contribuir para a aprendizagem de conceitos e comportamentos críticos na alfabetização, há evidência de que a leitura dialógica contribui para o desenvolvimento da compreensão da leitura.

A razão disso é que ela oferece amplas oportunidades não apenas para o desenvolvimento do vocabulário, da sintaxe e da pragmática, mas também de habilidades cognitivas importantes, como, por exemplo, o raciocínio causal e o pensamento inferencial.

Uma vantagem dessa atividade, que pode ser realizada como parte das interações entre as crianças e seus pais, é que os livros de histórias encantam as crianças desde a sua mais tenra idade.

Nesse sentido, a leitura interativa de livros pode se tornar um instrumento poderoso para o pleno desenvolvimento da leitura de crianças de classes socioeconômicas menos favorecidas.

Com efeito, os resultados de um estudo realizado no município de Boa Vista, no estado de Roraima, com famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família, são francamente encorajadores.

O estudo mostrou que as crianças, cujos pais foram treinados a ler livros de forma interativa, apresentaram ganhos significativos no desenvolvimento cognitivo e da linguagem.

Por tudo isso, este livro é recomendado não apenas para professores e educadores, mas também e sobretudo para os formuladores de políticas educacionais. De fato, o livro chegou em boa hora: exatamente no momento em que se discute a elaboração de um currículo comum para toda a educação básica.

Cláudia Cardoso-Martins, Ph.D
LEAD: Laboratório de Estudos e Extensão em Autismo e Desenvolvimento
Departamento de Psicologia, Universidade Federal de Minas Gerais

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